* clique para aumentar
Caro,
Neste instante queria matar-te. Pegar uma arma branca e enfiá-la até o cabo na sua barriga. Morte. Queria ver seu rosto de monóculo, pálido e doentio: um poeta sangrando. E depois desse terror eu também morreria, meu amado, por abandono.
Sua carta de adeus, muito polida e terna , revelou o que eu já sentia há tempos.
A cada dia sua alma se transforma e não encontra um centro exato.
Sinto vontade de morrer neste barco, junto ao cais.
Seríamos dois caixões no morgue decorados de forma discreta.
Sem cristianismos, cruzes e terços.
Leria em sua lápide: Escritor, poeta e verdugo.
Toda a Lisboa dos jornalistas e escritores viria ao seu encontro. Tragédia.
Os homens com os chapéus desabados e fumando muito.
As mulheres, umas poucas parentes velhas , e algumas primas, vestidas de negro.
Tenho a impressão que você não é mais você há anos. Desde os quartorze a bordo
daquele navio vindo da Cidade do Cabo com sua família. Já um homenzinho.
Aquele terror e mal-estares dos longos dias no mar. Vagalhões de desejos.
O rito sexual no tombadilho, a dor e depois o novo desejo admirando os marujos.
E veio o turbilhão da escrita.
Do Oriente ao Ocidente , Escócia e Irlanda. Mary, Lidia e outras inglesinhas.
Um amor platônico por um inglês.
E uma alma tatuada nas tabernas inglesas com o Símbolo da Ordem da Aurora.
Histórias de navegadores e de Portugal , Astrologia, Gregos, Cabalistas e Magos.
Um navegador português não faria tanto !
Quanta alma, caro poeta.
E você , adoentado, escrevia , grandes são os desertos, minha alma !
Fernando, o Universo é sua escrita. Vai seguir só e em frente, canetas e tintas,
E uma multidão de constelações nesse tapete azulado.
Por isso te odeio.Te amo.
Sua,
Ofelinha
inspiração em alguns trechos.
*Imagem , Moon and Sun via Crashingly Beautiful