No exame de sangue, a enfermeira que me atendeu me incentivou a doar sangue.
Ela chupou pela seringa aquele líquido vermelhão. Pensei no monte de micróbios
que tenho caminhando pelo meu corpo. Fazer o que ?
Ainda somos símios na civilização vulcaniana do Sr. Spok.
Você tem veias muito boas.
Não quer doar seu sangue ?
Nós temos um banco aqui no hospital.
Meu sangue é A -negativo,respondi.
Parece que é sangue bom prá doar.
Negativo.
Sei lá.
Não sou bióloga.
Ela riu, qualquer sangue é bom prá doar , garota.
Saí com vontade de doar todo o meu sangue,
despejá-lo em qualquer goela que precise.
É só me pagar uma cerveja depois
e somos amigos para sempre -
mas imploro uma conversa que saia fora do ar.
Dragões com línguas e labaredas ,
fagulhas de carvão espocando,
cabeça gigantesca e olhos
milagrosamente serenos.
Efeito dionisíaco.
Mais tarde, fiquei com fome e comi um pão de queijo com café quente
na cantina do hospital. Não é ruim, café honesto, xícara grandona.
Um monte de gente doente tomando uma bebida forte,
após uma série de sessões de tortura.
Todo mundo caindo aos pedaços.
Névoa com chuva de São Paulo,
E prá completar a paisagem, aqueles muro graffitados e
uma friagem muito próxima do inverno.
Quando cheguei em casa já havia um pouquinho sol.
Meio-dia quase.
E também vi um passarinho laranja na antena.
Laranja. Por aqui nunca vi dessa cor. Sempre aparecem
aqueles cor de burro quando foge. Cor de São Paulo.
Ficou um tempão pendurado na antena,
e eu alí espiando ele.
Vista belíssima pro estacionamento do Mackenzie.
Brochei. Passarinho voou. Cor de laranja. Foi se abrigar da chuva.
Começou a chover de novo.
"Veias boas prá doar sangue."
Estiquei o braço , virei o rosto pro lado - e ela sugou o meu halo.
* Boleta, graffitte ultra mega foda
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