Chuvinha fina o dia inteiro. Domingo frio e agôsto.
Há quem ache que agôsto é aquela desgraça coletiva brasileira. Poder ser mas pode não ser.
Acho que não temos mais escolha, o calendário todo é recheado de balas perdidas, cinismo e roubos ao caixa-forte.
Dizem que abril é o pior dos meses, mas agôsto sempre entrou para o almanaque como uma maldição.
Suicídio, renúncias e desgoverno.
Quando o ônibus entrou na Rebouças eu respirei aliviada e abri o livro em qualquer página.
Será que o poema vai me curar desse dia ?
Porque antes estava entretida em pensar na minha vida. E aquela chuva toda, o mundo encolhido e apressado. Um anti-domingo.
Por pura diversão resolvi pensar na minha história e não vi nenhum poema.
O bom da poesia é isso. Ela se esconde de você , tipo brincadeira e quando você mal espera , ela despenca na tua frente. E você balbucia e fala sozinha no ônibus. E o cara que tá perto de você acha que você é doidinha. Tento escrever no vidro embaçado e foda-se.
Tenho vontade de escrever Cú da Maria Joana. Muito básico.
Não entendo porque estou tão corinthiana.
Na Paulista precisamente 13 graus no relógio e escrevi em letras garrafais - " Me ame muito " - Na descida da Consolação carrego nas tintas " Me acaricie aqui , preciso muito " .
Sem pudor nenhum.
E nada me acontece quando atravesso a Ipiranga com a São João. Só um arrepio de frio. Pés gelados.
Sem afagos ou carícias.

Preciso da poesia, senão a vida vai me emparedar e ficarei feito Edgar Allan Poe.
Falando com os corvos.
A poesia escolhida ajuda um pouco a suportar a viagem.
Baudelaire, coitado , também sofre de solidão e grita no livro
"tende piedade da minha tristeza e do meu delírio ".

Podiam escrever frases de Baudeleire nos coletivos:
" Há que estar sempre embriagado.
Tudo está nisto: é a única questão.
Para não sentir o terrível fardo do Tempo que lhe dilacera os ombros
e os encurva para a terra, embriagar-se sem cessar é preciso.
Mas de quê ?
De vinho, poesia ou virtude, a escolha é sua.
Mas embriaguem-se."



* Imagem via Youknow505

Marcadores: Poesia - Devaneio com o bus e Baudelaire