Não te conheço, mas sempre ouço a tua voz aqui dentro da minha cabeça.
Numa autêntica esquizofrenia. E acredito que nada mais será igual daqui prá diante.
Diante de que ?
Do espaço estranho em que me meti sem ser gato.
Gatos se enfiam nos lugares mais improváveis.
Eu estou flutuando entre a Vila Buarque e a Bela Vista. Se você quiser me ver , pode abrir a janela e verá um zeppellin sem rumo. Não te conheço direito, mas a impressão é que somos amigas de infância e sei que é uma amargura que nos une. A amargura da falta.
O poeta beat (Mr. Buk ) já escreveu que
há um lugar no coração que nunca será preenchido.
Um espaço. E nós iremos esperar, esperar.

Uma incapacidade e um hiato profundo.
O buraco negro do coração, como uma doença crônica da alma.
Não te conheço , mas é como se nos telefonássemos três vezes ao dia. Risos.
Telefonemas mudos.
Já passou o movimento.

Nunca te vi direito, porque sempre havia um impedimento e uma pressa.
E hoje essa censura e atordoamento me provoca náusea.
Sentir o horror de entrar num corredor de shopping e te ver inteira,
entretida numa leitura de revista.
E fugir , como se tivesse topado com as tropas americanas em Bagdá.
O horror em que me transformei.
Sentir medo de você e sair em disparada do labirinto -
e me perder na direção de casa, bêbada e sem jeito.

É justo dizer que me destes tudo o que eu mais queria na vida.
Você produziu em mim coisas aqui dentro que nunca experimentei.
Eu que não estava acreditando em mais nada, comecei até a fantasiar.
Meu sangue circulou, e fui consolada em seus braços, e sei de fonte segura -
que mesmo separadas por becos e avenidas, artistas da Roosevelt, toneladas
de dejetos e sem tetos,
vemos as mesmas coisas e telepaticamente trocaremos impressões.

Frequentarás por um longo tempo minhas células, sangue e cérebro.
Chegarás aqui para um beijo de boa noite. Te verei na janela, fumando.
E eu, a maluca , saberei que é você.
E não estou à espera que me passes depressa, tipo uma febre banal.
Não estou à espera que eu não sofra.

Sou poeta, mesmo artista da praça da República, decadente
sei sentir perfeitamente
que estamos fazendo amor neste instante.
E tudo é muito claro num segundo.




* Imagem via Twentythree

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| Por Prensada | quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010 | 08:31.