Dormi e fui levada deste mundo.O cavalo entrou no meu sonho, num desfile solene. Ouvi  algumas palavras nas profundezas da minha pequena morte. O animal ia me escolher. A cor do cavalo não era natural. E  dei de encontro com ele como  se encontra um amor. Pelo olhar. O bicho tinha olhos castanhos muito vivos . A cor de sua pelagem não era comum. Todo o seu corpo parecia de fantasia, feito de palha trançada. Como um cavalo de Tróia gigantesco. Lembrei dos seres mitológicos em forma equina  -  Buraq , o cavalo de Muhammad , que ascendeu ao céus com o Profeta. Os cavalos dos grandes guerreiros , Bucéfalo e Veillantif . Alexandre, O Grande  e Carlos Magno. A cor do bicho era ferrugem e tinha uma longa crina cor de ouro.
Parecia ter vindo do centro da Terra. O cavalo unido ao meu corpo não tinha arreios, sela e nem freios. Cavalguei um arquétipo, acredito. Podia ir para o inferno, para o abismo dos grandes penhascos, para a guerra mais sangrenta -  não ia me importar.
Mas, andei por muitas alamedas arborizadas, fui para o  alto de uma grande colina, e vagamos por caminhos que nunca passei. Vi gente que nunca conheci. Tudo tão real e amoroso e senti no meio da cavalgada que eu era o bicho e o cavalo era eu. Senti um amor profundo por tudo.
Tão natural como a Terra à girar, sem ninguém entender bem como ficamos em pé e não de ponta à cabeça. Tudo funcionou como a mecânica celeste das atrações. Pelo olhar.
O cavalo entrelaçado no meu corpo e eu ligada aquele corpanzil não-humano.
Por um momento, pensei que o animal cavalgava nos sonhos de todos os humanos.
Tive certeza quando despertei daquela noite. Senti saudades da grande viagem.
Ele vai de sonho em sonho escolhendo seus amores.
Em frente à galope, meu amor.

* Anotações do caderno preto ( diário caipira )

* Nunca olhe para trás
   Nunca olhe para trás
   O passado é uma selva funda e escura
   onde nos acostumamos a atolar e ficar *

 Jorge Luis Borges


*  Imagem via Lost Art

Marcadores:

| Por Prensada | segunda-feira, 18 de outubro de 2010 | 22:05.