Peço aos deuses e poetas que povoam o fogo, a água, a terra , o ar ou Marte que me socorram. A mão enluvada já está próxima da gengiva dolorida e sinto a agulha entrando quase no osso. Em segundos a droga começará a agir e adormecer o lado esquerdo da boca e lembro do meu pai. Dor no lado esquerdo do corpo simboliza "pai". Procuro afastá-lo do pensamento. E foco na aridez do deserto da folha em branco e do meu cérebro sem nenhuma imaginação. Fico catando os poetas que já li. Faço uma lista, que venham logo. Que se aproximem da cadeira do dentista e podem fazer tumulto. Não me importo. Vou estar anestesiada mesmo. Podem balançar as persianas, fazer estrondo com as portas, bagunçar as revistas da recepção e arrastar cadeiras. Preciso de vocês porque estou zerada. Está tudo aberto, inclusive a fresta da janela , por onde entra um ar gelado.
Entrem, por favor, está tudo aberto. Inclusive minha boca.
Poetas malditos, inocentes ou malucos. Artistas que viraram fantasmas com roupas bufantes ou andrajos. Palhaços da ribalta, perseguidores do sublime e da eterna dúvida. Poetas da beleza, das musas, do amor e do gozo. Onde estão vocês ? Artistas do álcool e do sacrifício. Escritores que se atiram do despenhadeiro sorrindo para o éter, dopados de sentimentos e sonhos. Poetas que escrevem no ar e nas paredes. Marques de Sade ? Seria interessante vê-lo borrando essa parede limpinha... Poetas modernos, movidos a LSD , café e uisque barato. Poetas do metrô lotado, escritores de guardanapos que mergulham no conhaque do fim da noite.
Recitadores e contadores de histórias, clowns da megacidade.
Caçadores da palavra perdida.

Vem a dormência na boca e relaxo, anestesiada até o topo do crânio. A droga percorre o tecido, o sangue, mata o nervo. Quero uma caneta e papel.

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| Por Prensada | sexta-feira, 19 de setembro de 2008 | 20:07.