Quando nos encontrarmos de novo vai estar menos frio, te garanto. Tá tudo gris , com jeito de chuva a qualquer hora, aquela chuvinha que não molha. É só pular algumas folhas da agenda que os dias ficarão mais quentes. Fim de ano, quase.
Você vai ver , os dias serão ensolarados, te garanto.
E ainda por cima, decorados com aquelas coisas chinesas de Natal. Enfeites natalinos e blá.
Tudo muito ridículo. Natal e verão tropical não combinam em nada.
Aqui na Rebouças não dá prá sonhar direito, no meio de um milhão de carros parados.
A avenida entupida de gente que parava prá saber do acidente. Eu não prestava atenção do tráfego, mas em você e na chuvinha. Eletrizei o pensamento e esqueci onde estava. Comecei a formar algumas frases na cabeça, escrevendo devagar prá não esquecer depois. Organizei e pontuei o texto na cabeça. Tive meus vinte segundos de imortalidade. Quando você se sente inteira e plena dentro de você. Uma sensação única.
Em vão. Foi-se. Quando o moço de barbinha rala e óculos ao meu lado falou: vamos ficar prá sempre aqui parados !
Eu voltei à realidade, cheia de detalhes sórdidos, impossibilidades e lágrimas.
Deixei as filigranas e redondilhas no espaço. Abandonei o encontro possível e a troca de carícias.
O moço era bonitinho e ficou chateado porque eu não respondi , só balancei a cabeça e levantei. Desci do ônibus e voltei prá casa caminhando.
Sem poema, sete linhas bem arranjadas , uma coisa musical que se desfez no ar.
Visualizei pérolas no fundo de um baú cheio de água: coisa de piratas antigos.
Umas jóias enormes , abandonadas e uma impressão de estar dentro d'água.
Nadei pela avenida Angélica. Cruzei com alguns monstros marinhos e uma sereia cantou.
Não tive medo, conheço bem esse oceano.
* Rebeca Schrock, photo - Farmer Mermaids at Weeki Springs, Florida
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