O fícus ficou mirrado e morreu. Retirei suas raízes enormes do vaso e joguei no lixo. Triste demais. Tinha apenas uma folhinha pequenina e dois caules secos. Perdeu um monte de folhas durante o mês de agôsto e ficou frágil . Será mau agouro ? pensei , afastando a enorme raiz e ensacando o que tinha restado da planta . E eu , na esperança que ele se recuperasse.
O fícus era meu animal de estimação, tipo um cachorro com folhas. Ou um gatinho. O fícus era meu companheiro há anos. Participou da minha vida como se fosse da família. Era sem dúvida o ser vivo mais próximo de mim.O fícus acompanhou todas as minhas mudanças há dez anos. Nossa, viveu muito !! . Ele me viu aos prantos , sentada no chão da sala-de-estar , agarrada numa almofada, bêbada e louca quando terminei um romance lá na praia.
Naquela época, era recém-chegado e suas folhas eram bem bonitas. O fícus me deu energia para virar uma página complicada e atravessou com uma garra invejável outras explosões emocionais.
Viu algumas festas malucas, arroubos de dançarina e som alto prá cacete, daqueles que perturbam o vizinho. Apesar de sensível e frágil , suportou bem fumaça, gritaria, toneladas de maconha e muitas garrafas de uísque.
Suportou até ser árvore de Natal ! A arvorezinha recebeu um presépio completo ao seus pés: vaca, bezerrinhos, burrinho, manjedoura com o Menino Jesus, o casal iluminado ( Maria e José ) e os três Reis Magos com potes de ouro, incenso e mirra. Mirra deve ser um barato do Oriente Médio. Perdi o Menino Jesus na última mudança, mas compensei a decoração com pisca-pisca, bolas chinesas, enfeitinhos da 25 e uma guirlanda dourada de 1,99.

O fícus acompanhou atônito o dia do ataque as Torres Gêmeas. Lembro-me perfeitamente daquela manhã. Eu estava no computador logo cedo, com uma xícara de café e ouvi o noticiário na rádio. Parecia um daqueles programas radiofônicos americanos , tipo "os marcianos invadem a Terra " com narração de Orson Welles. Mas era outra barra: terroristas fanáticos em nome de Alah atacam a Nova York !. Como se o deus dos mulçumanos aprovasse tamanha barbárie. Lembro que mexi nervosa em algumas folhas , e arrumei sua posição do vaso , incrédula com o noticiário.
O fícus do meu lado e a torres derretendo do outro. Um ataque terrorista !
Fiquei dias olhando a tv , com os aviões se espatifando dentro das Torres , e as imagens se repetiam a cada minuto no noticiário.
Os prédios sumindo no meio do pó e do fogo. E o fícus muito bonito e jovem, sobreviveu.
Veio prá São Paulo comigo e passou por outra situação limite: ficou solidário no meu luto quando meu pai faleceu. Silencioso e cheio de folhas.

Baleado com um tiro certeiro por esse ar saturado de monóxido, talvez tenha cumprido seu itinerário de planta.
Viu tanta coisa comigo, ouviu muitas conversas chatas e interessantes , crises de choro e riso, músicas bacanas e agora se foi, sem dúvida, descansar no céu verde das plantas, longe desse ar poluído. Não sei o que pensar.


Preciso arrumar outros filhotes. Novas histórias.





* Que tal arrumar um aquário com peixes dourados, daqueles bem baratinhos ?



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| Por Prensada | quinta-feira, 4 de setembro de 2008 | 12:53.